segunda-feira, 4 de novembro de 2019

História e poesia afro - brasileira: reterritorialização do/a negro/a no espaço escolar

História e poesia afro - brasileira: reterritorialização do/a negro/a no espaço escolar

Este material, intitulado “História e Poesia Afro-brasileira: reterritorialização do/a negro/a no espaço escolar” chega à escola como um subsídio didático, que escolhe permear-se por um pensamento não necessariamente linear e cronológico. 

Os subtítulos que o compõe se apresentam entrelaçados e tal como um tecido onde uma parte implica a outra, são dispostos sem numeração. São quatro partes que correspondem a três diferentes movimentos. Estes pretendem fazer funcionar uma espécie de terapêutica onde a história do negro no Brasil ao passar a ser tratada sob o deslocamento poético das letras de capoeira passa a permitir outra compreensão ou outra perspectiva. Logo, num processo múltiplo e temporalmente único, move-se um singular que faz uma territorialização da história oficial - Brasil Colônia e Brasil Império; e esse desencadeia uma desterritorialização – ou deslocamento da concepção que se possui do negro/a no espaço escolar; horizonte que, um trabalho com a história afeta e é afetado numa série, pelas Oficinas – de poesia capoeirana. Os blocos poéticos vão fazer a reterritorialização ou a recontarão. 

Por fim, tem se algumas conclusões extemporâneas. A opção de nomeá-lo e o recortá-lo em momentos se faz para diretamente oferecer conceitos e temas, que vindos da filosofia contribuirão para que a história atualize os seus conteúdos para emancipação de uma cultura histórica. 

Os conceitos de territorializaçao, desteritorializção e reterritorialização são trazidos da filosofia deleuziana e perfazem mapas invisíveis inspirando subjetividades. Estas funcionam como mapas mentais e mostram numa analogia a história como processo de construção de uma figura do/a negro/a que vem da tradição. Tal representação compõe um patamar subjetivo que refere ao ambiente escolar.

Este plano que se reproduz por múltiplas ações e conteúdos que ministrados no ensino básico da história, tem elegido um feitio do/a negro/a que neste trabalho pretende ser desconstruído/a para ser reformulado. O/a negro/a na escola tem sido - 6 - 6 abordado/a como figura que não imprime resistência ao pensamento e a cultura da branquidade, entendido como qualidade de branco. 

A História oficial demanda uma territorialização quando apresenta, no Brasil Colônia e no Brasil Império, o/a negro/a situado enquanto personagem desqualificado. Tal configuração, remonta uma subjetividade que se coaduna com um tipo habilitado a exercer apenas atividades braçais. Também lhe é imposta a preguiça intelectual e outras crendices ou praticas pagãs, de pertença à vida de vadios, a malandragem e ao banditismo. 

As oficinas de capoeira pretendem mover este cenário quando trazem para escola uma contribuição da cultura afro-brasileira. Ação que implica criar no/a jovem uma disposição ou simpatia que o/a tenciona ao encontro de outra perspectiva para relacionar-se com a memória cultural deste povo. Espera-se com as poesias, as letras e as musicas de capoeira, mover todo um campo subjetivo que composto, na escola, por vários elementos que vindos da tradição, impedem um trabalho criativo na sala de aula. Impossibilita que se incluam outras culturas, num exercício da diferença. Faz assim, necessário deslocar tais arranjos que trazem a cultura afrobrasileira agrilhoada a um passado que convém deslocar. 

Logo, o conceito de desterritorialização vem de encontro ao desejo de movimentar novos elementos em prol da utilização de instrumentos culturais na escola para uma reterritorialização da cultura afro-brasileira. A ideia é alterar as consciências dos coletivos que habitam a escola. Agrandar o papel do o/a negro/a na escola, desvinculando-o do caráter submisso quando ganha outras forma ou perfil através da poesia capoeirana. A poesia será por excelência, neste contexto, o elemento provocador de outro território subjetivo no qual a história dá espaço a arte para ser recriada. 

Quer este trabalho inspirar os/as professores/as e os/as estudantes/as a buscarem movimentos ou deslocamentos para elucidação de um pensamento da diferença. Este material tem como objetivo usar a letra-poesia de capoeira como instrumento, ao aportar novos elementos de reterritorialização para re-construção da figura do/a negro/a, refaz os lugares que antes pertenciam a ele na história. Traz para este efeito o método de utilização de oficinas de poesia afro-brasileira. - 7 - 7 Temporariamente concluindo, esse material cria uma estética própria no seu interior, que tenta dar vazão aquilo que problematiza como diferença: a cultura negra! Para alcançar seu ideal utiliza os textos de feitios curtos, ilustrados com figuras e acompanhado do CD: AMADOR. Este último se faz de uma composição musical (faixa1) e de uma recitação de um poema (faixa2). Sendo esta unidade didática mais um movimento na inclusão do negro/a no espaço escolar.

Ver/ler anexos:

Produção Didático Pedagógica , 2010.
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2010/2010_ufpr_hist_pdp_dalton_luiz_gandin.pdf

Video: Por um Axé do CD AMADOR - Faixa 1
https://www.youtube.com/watch?v=s62Yux_uw04

Video: Negro Capoeira - Faixa 2
https://www.youtube.com/watch?v=cVZfCI00y0s

segunda-feira, 15 de julho de 2019

Luis Paixão - Como me tornei educador




Bom dia, boa tarde, boa noite! Educadores do Paraná encerraram mais uma jornada de lutas, mais uma greve. Reforma da previdência ainda fresca, aprovada em primeira votação na Câmara. Moro e Dallagnol na lata do lixo da história.

O bicho é grande! Noix é ruim!.

Seguimos no nosso esforço - quase utópico - de dar voz aos educadores e luz às suas biografias. Os textos têm apresentado histórias marcantes. Histórias de quem, muitas vezes, dedicou toda uma vida às atividades no interior das instituições de ensino e de pesquisa. O texto a seguir é de autoria do professor Luis Paixão.

Boa leitura e bom apetite.


Segundo os estudos marxistas, o ser humano é fruto de suas circunstâncias.  É fruto de múltiplas determinações (econômicas, sociais, familiares, regionais, culturais, educativas, etc.). Acredito que estas determinações  foram ao longo da vida me tornando professor. Porém, antes de adiantar esta conversa, vai uma afirmação que julgo relevante. Não me tornei professor por falta de uma outra opção profissional. Muito pelo contrário, dentre as condições de minha existência, professor foi a profissão que escolhi e que me realiza como pessoa e como profissional.
Nasci em uma família muito humilde. Meus pais vieram da região da Chapada Diamantina (BA) tentar a vida no Paraná. Em Londrina se conheceram e casaram. Sou o primeiro dos sete filhos. E com eles, aprendi desde muito pequeno valorizar a educação. Morávamos no sitio. Meu pai, depois de mais um dia de trabalho, saía de casa de tardezinha para a cidade, afim de se alfabetizar no antigo Mobral. Fez até o quarto ano primário. Minha mãe nunca frequentou uma escola, mas aprendeu a ler e a escrever observando os rótulos das embalagens de mantimentos de cozinha. Minha mãe escreve e lê como poucos. Até hoje, já com seus quase oitenta anos, é comum encontrá-la de óculos e com um livro nas mãos.  O esforço dos dois pela educação foram contaminando os filhos muito cedo. Não passava pela cabeça deles que um dos filhos ficasse sem estudar. Quando recebiam uma proposta de emprego em alguma outra fazenda ou sítio, uma das primeiras condições que avaliavam era se tinha uma escola na região. A caminhada que eu fazia, de quatro quilômetros, todos os dias para ir à escola era muito pouco, diante o sacrifício que meus pais faziam para garantir as condições para a nossa educação; desde o parco material didático, as roupas e o lanchinho sagrado de cada dia. Em casa fomos educados para respeitar as outras pessoas, e especialmente nossos professores e professoras. Estes eram vistos em casa quase como uma entidade. Eram tratados como uma verdadeira autoridade na região. Na época havia até alguns exageros por parte das professoras, mas os pais entendiam que estas estavam fazendo o melhor para a educação dos seus filhos. Ainda me lembro de quando em alguma festa da igreja ou da cidade encontrávamos uma das minhas professoras primárias.  Apreensivo observava a forma carinhosa como se tratavam, e falavam do meu aproveitamento na escola. Até ficava feliz ao escutar os elogios.
Putz!  Alonguei um pouco esta história. Mas trouxe este pequeno extrato de vida para mostrar que a educação sempre foi uma coisa forte na história de vida da minha família. Outra marca importante, a religião. A fé do povo simples fazia parte da minha rotina de menino. As missas, os terços, os velórios, o dia de Nossa Senhora Aparecida, a Folia de Reis, e até visitas em benzedeiras. E as festas juninas? Até hoje, no dia 24 de junho, minha família comemora a festa de São João. No sítio onde meu falecido avô morava, todos os anos tinha fogueira, mastro, terço e festa. Algumas lembranças já se foram, mas o biscoito de polvilho, o chocolate quente e o quentão de pinga (só molhávamos o bico) estão em mim até hoje. Eram sacos de biscoitos feitos primeiro pela minha avó, depois pelas minhas tias, no fogão a lenha para servir um mundaréu de gente.
Na casa em que morávamos e na casa do meu avô era muito comum receber a visita de padres e irmãs. Sempre eram muito bem recebidos. Todo este clima de religiosidade fez com que aos 11 anos eu ingressasse no seminário para estudar para padre. Sim, não sei por que cargas d’água, desde os primeiros anos de consciência de vida eu afirmava que queria ser padre. Lógico que isso trazia um certo deleite para a família. Foram seis anos no seminário, da sexta-série até o término do antigo segundo grau. Tempo de muita disciplina nos estudos e na vida. Manhã, aulas. Um pouco de tempo para algum tipo de trabalho, e a maior parte da tarde, tempo exclusivo para estudos e tarefas escolares. As professoras e os professores eram nossa ligação com a vida externa para além dos muros do seminário. Com exceção de alguns padres que moravam no seminário, a maioria dos professores vinham de fora. Traziam para a gente o conhecimento científico, mas também o conhecimento de mundo. Eu os admirava muito. Especialmente quando transgrediam as regras e apresentavam algumas críticas sublimares à própria organização religiosa. Pô! Tinha um padre professor que levava para a sala de aula textos de Chico Buarque. Lembro de escutar às escondidas, em um pequeno escritório, a música “Geni e o Zepelim”, que na época era considerada um sacrilégio.
Sempre tive um espirito de admiração pelos meus professores. Já no primário, era visível o meu encantamento com as professoras Janete e Ana Maria. Elas me ensinaram as primeiras letras. Lembro do carinho que estas professoras tinham comigo. Mas esta admiração pelo ofício de ensinar chegou mesmo em forma de um turbilhão. A temida Salim, professora de Língua Portuguesa, me deixava paralisado quando falava dos livros de literatura brasileira. Em alguns momentos ela se transfigurava ao falar de algum personagem. Era uma verdadeira viagem. Era intensa, brava, mas ao mesmo tempo encantadora! Com ela, um dos melhores presentes que um educador poderia me dar: o gosto pela leitura. Aquele adolescente de aproximadamente 15 anos já vislumbrava em silêncio, se não vingasse o desejo de ser padre, o desejo de ser professor.
Tive naquele período excelentes professores. Uma das sensações mais indescritíveis que tive depois de formado, foi entrar em uma escola em Londrina como professor, e perceber que dois ex-professores do tempo de seminário, que tanto os admirava, eram agora meus colegas de trabalho. Boas lembranças.
Saí do seminário após o término do segundo grau/ensino médio. O motivo da minha saída é um outro capítulo, acho que sem relevância aqui.  A convite de uns amigos vim para Curitiba cursar Filosofia na PUC, pois tinha ainda a expectativa de voltar ao seminário. Aliás, estava fazendo um ano de experiência fora do seminário. Mas as circunstâncias da vida vão aprontando os caminhos da gente. Precisava trabalhar para me manter em Curitiba. E os trabalhos disponíveis eram, em sua maioria, durante o dia todo. Precisa estudar à noite. Tranquei o curso de Filosofia, e comecei a trabalhar em uma rede de livrarias. A literatura novamente em minhas mãos. Na livraria conheci leitores de todos os gostos. Li, discuti, descobri personagens, lugares e histórias que não imaginava contadas. Conheci escritores, entre estes Abdias de Nascimento e Dalton Trevisan. Este último me dava o privilégio de saborear um copinho de chá, quase todas as tardes, regado a histórias cotidianas de Curitiba e da literatura.
Com o corpo e alma tomado pela literatura não tive nenhuma dúvida. Deixei a Filosofia e me aventurei no vestibular do curso de Letras da UFPR. Ainda hoje sinto as sensações dos meus primeiros dias de aulas no curso de Letras. Estava tendo aulas com professores que estudava nos livros didáticos ou especialistas naqueles autores que eu mais admirava. Deliciei-me com os estudos de Machado de Assis, Fernando Pessoa, e para não ficar só na literatura, me embrenhei nas teorias da linguagem, nas variantes linguísticas, e especialmente nas metodologias de trabalho dos textos em sala de aula. Aos poucos, meu projeto de ser professor estava próximo de concretizar. Começou o período de estágios. Fora aulas de catequese na época do seminário, nunca tinha dado uma aula. Ansioso cheguei a um Colégio Estadual no bairro Tarumã para iniciar o estágio. Isto era quase final do ano 1990. O magistério estava em greve. Puxa! O que fazer? Meu estágio se resumiu a um denso trabalho escrito sobre o ensino do texto em sala de aula. Trabalho que me auxiliou muito na minha trajetória docente.
Para finalizar a conversa. Quando terminei o curso de Letras, apesar de ocupar uma posição de destaque como gerente de loja, despedi-me do trabalho na livraria. Voltei para o interior do Paraná. Queria conviver um pouco mais com minha família que me viu sair de casa aos onze anos. Imediatamente comecei a dar aula como substituto de uma professora. Vieram os concursos públicos em 1991, e depois 1993. Aprovado nos dois dei início a minha trajetória na educação do Paraná. Esta já é uma outra história.



 

quarta-feira, 3 de julho de 2019

Everaldo Lobo - Como me tornei educador



        




Bom dia, boa tarde, boa noite. Professores e funcionários de escola estão na segunda semana de greve no estado do Paraná. Primeiros dias do inverno e cá estamos nós, "cansados, magoados e exaustos", como diria o Sebastião Rodrigues Maia, mas muito esperançosos. Seguimos em nosso esforço - quase utópico - de dar voz aos educadores e às suas biografias. Nesse sentido, o blog Educação, política e o avesso traz mais um texto emocionante. O texto a seguir é de autoria do professor Everaldo Lobo. Boa leitura e bom apetite.



Cresci no bairro da Água Verde em Curitiba. Passei boa parte da infância na Rua Petit Caneiro, atrás do Estádio Joaquim Américo, hoje Arena da Baixada. Tímido, raramente jogava bola e bets na rua. Ser um tanto gordinho atrapalhava minhas pretensões esportivas. Pelo menos eu acreditava nisso. Compensei torcendo pelo Furacão. Sinal de boa educação, suponho.
            Assim, pra preencher meu inescapável tédio, procurava por desenhos na TV. Na extinta Rede Manchete passavam animes sensacionais. Um neófito na arte da escrita surgia com pouco mais de sete anos. Mesclava, nos meus desenhos, linguagem de quadrinhos com textos de aventura, inspirado na programação matutina. Rabiscava minhas criações nos cadernos que meu pai me dava para que eu organizasse minha vida estudantil. Subverti sua vontade, velho Lobo. Os cadernos que seriam usados para que eu tivesse o mínimo de método serviriam para registrar minha imaginação.
             Meu pai merece uma menção especial. Foi o primeiro a me cercar de literatura. Desta feita, funcionou, posso dizer. Fernão Capelo Gaivota, O Pequeno Príncipe e livros de Sir Arthur Conan Doyle e Agatha Christie iniciaram a saga literária de minha vida.
            Chegara a adolescência. Com ela, a melancolia e as angústias do rapaz tímido e com sobrepeso. Fiz parte de um grupo de jovens e, nas reuniões e encontros pelo Paraná (Como era bom viajar), revelou-se um talento inato para oratória. Tinha dificuldade para falar com alguém olho no olho, mas falar com grandes plateias dava um frio na barriga e uma sensação de realização peculiar. Me viciei nesse modus operandi e tornei-me prolixo nas relações (Característica que perdura até a atualidade, mesmo com mais discrição). Logo desistiria da carreira de desenhista, pois dera ouvidos a uma crítica sobre meu traço um tanto acadêmico. Pelo menos foi esse adjetivo usado pelo meu colega do antigo CEFET (Sim, fui aluno de eletrotécnica. Um fiasco anunciado para alguém que tinha vocação voltada para o uso das palavras).  Essa passagem merece também devida atenção, pois foi num intervalo entre turno que eu vi uma cena de Comédia Dell´Arte durante um ensaio do grupo de teatro amador daquela instituição. Foram poucos segundos, mas bastaram para me dar a certeza de que queria fazer aquilo: TEATRO.


             Comecei minha carreira de ator no teatro amador. Conheci e fui para o proscênio representando Brescht, Shakespeare, Nelson Rodrigues, Molière, Sartre e outros mais. Naquela altura, aos vinte e poucos anos, já não via distinção na qualidade da criação artística entre o ato de escrever e atuar. Até para Cuba viajei para estudar roteiro cinematográfico na Escola Internacional de Cine e TV, Havana. Participei também de festivais pelo Sul do Brasil, e a aprovação do público era o antídoto da carência do ator, como se sabe. Tornei-me profissional e até no cinema pude trabalhar, desde produções mais modestas até pioneiras de Canais como a HBO (Filmaram em Curitiba por causa dos impostos das metrópoles americanas, veja só). Mesmo com alguns pequenos sonhos de um admirador de Robert De Niro e de teledramaturgia acontecendo, percebia que precisava de mais técnica se desejava saber escrever bem para teatro e TV. Ora, por que não ingressar numa universidade de Letras para aprimoramento?
              Iniciei Letras Português na PUC-PR e, por uma série de imprevistos, acabei por transferir-me para UTP-PR, onde também havia formação para a cadeira de língua inglesa. Como na vida o inesperado acontece, casei-me e me tornei pai aos vinte oito anos. Tudo muito fora dos planos, mas cheio de vida, alegria e fé.
              Não é preciso entrar em detalhes para descrever a responsabilidade em zelar e amar um filho. Percebi que o mundo acadêmico contribuiu e muito para minhas técnicas de escrita (Anos depois, acabei dirigindo e escrevendo peças para jovens e adolescentes). No entanto, atuar e escrever num país que abandona seus artistas, quando se tem que cuidar de uma família, parecia um tanto arriscado. Pensei: qual ofício seria similar a estar num palco e compartilhar vivências e grandes histórias e ainda dar condições de cuidar de minha família? Claro, a sala de aula seria um bom lugar para se estar. Com meu filho recém-nascido, fui contratado por uma escola particular para dar aulas de teatro e, creiam, cinema. Durante dois anos ensaiávamos e escrevíamos histórias com as crianças. Ao final do processo, íamos para uma mostra que acontecia no SESC DA ESQUINA. Era um grande prazer, nem trabalho parecia. A alegria das crianças renovava o espírito.
                 Mas ainda faltava algo. A trajetória na arte e no magistério estava voltada para um animado, generoso e um tanto restrito público. Tapinhas nas costas de familiares e congratulações de amigos balançavam o ego, sem dúvida. Porém, em que espaço eu poderia agir com arte-educação para tornar realidade os ensinamentos de Augusto Boal em seus magníficos livros O TEATRO DO OPRIMIDO e JOGOS PARA ATORES e NÃO ATORES? Estava perdendo interesse no público burguês e em suas reproduções do senso comum midiático. Findava orgulhoso minha contribuição junto àquelas crianças e adolescentes. Queria, isto sim, estar mais perto dos subúrbios, onde uma efervescência sócio cultural acontecia juntamente com a ascendência de um governo progressista com um olhar de inclusão jamais visto na história do Brasil. Apaixonei-me pela ideia de fazer parte disso tudo. Em Cuba pude perceber que cultura e escola para absolutamente todos era uma utopia possível. Algo semelhante parecia prestes a acontecer no estado do Paraná, sob a égide do governo Roberto Requião.
                 Não, não fui dar aula de teatro na Escola Pública. Ingressei pelo concurso de dois mil e três pelos chamados dois padrões, Português e Inglês. Comecei no Colégio Estadual Professora Edithe, onde pude estar diretor-auxiliar por duas gestões. Conseguimos até ter um grupo de pesquisa teatral durante três anos, o RFU (Claro, demos um jeito. As políticas de governo da época davam condições para iniciativas da comunidade). Participamos do projeto Fera e até da programação da TV CULTURA fizemos parte com um espetáculo nosso. Quantos educadores e educandos incríveis passaram pela Rua Mato Grosso, Distrito Ferraria, Campo Largo. São incontáveis os alunos que estão contribuindo para a comunidade paranaense de modo ímpar e que passaram por nossas mãos. Engenheiros, advogados, tecnólogos, artistas e até uma escritora estiveram em nossas turmas de ensino fundamental e médio.
                 Cá estou eu em dois mil e dezenove. Perplexo, enfrento de modo inédito destruidores de sonhos, criminalizando professores e ideais por um projeto mesquinho e desumano de poder. Em esvaziadas salas junto com uma juventude dividida entre a opressão e o opressor, minha voz e a dos meus companheiros insiste em ecoar pelos corredores quase abandonados por omissão de recentes governos neoliberais e voltados para orçamentos publicitários que distraem a grande massa e mentem para permanecerem no poder. Sem ingenuidade barata, sabíamos que não seria simples. Seguimos lutando. Estamos ainda fortes, afinal, Shakespeare sabia e me contou que “Somos feito da matéria de nossos sonhos”. E você amigo? Não era disso que era feito quando se tornou educador?

          

           

domingo, 23 de junho de 2019

Fora, Renato Feder – inimigo da escola pública, democrática e de qualidade


Nesta semana, a partir do dia 25 de junho, os professores e funcionários de escolas do estado do Paraná iniciarão greve por tempo indeterminado. Certamente não faltam motivos para essa tomada de decisão radical. Na verdade, esta greve deveria estar sendo deflagrada por todos os educadores do país, em todos os níveis de ensino, tanto das redes públicas como das privadas.

Basta observar as promessas, as propostas, as medidas provisórias, os decretos e as reformas em curso, para entendermos que o projeto de sociedade capitaneado pelo mercado de capitais através da triste figura de Jair Messias Bolsonaro ataca violentamente os direitos da classe trabalhadora, incluindo entre eles o direito à educação e ao acesso a esferas de produção cultural enquanto práticas de desenvolvimento humano.  

A redução absurda de recursos da educação, o fim da Lei do Piso Nacional do Magistério, a perseguição ideológica e a criminalização de professores são, inquestionavelmente, ataques tão graves à construção de uma sociedade democrática quanto são à reforma da previdência, a desregulamentação das leis trabalhistas e o abandono das políticas de proteção ambiental.

Não é possível se dizer educador responsável e comprometido com a vida de nossas crianças e de nossa juventude, sem se posicionar com firmeza frente ao avanço do barbarismo que se apresenta em nosso país. Vivemos um daqueles momentos históricos em que a indignação precisa, urgentemente, se tornar ação. Não nos é mais possível manter o silêncio. A greve, sem dúvidas, torna-se o único instrumento adequado para dizermos um não coletivo, para reafirmarmos nossas posições em defesa de um estado democrático de direito, de uma sociedade livre e de práticas de educação emancipadoras.

Alinhado à perversidade do projeto de governo de Bolsonaro, o governo do Paraná também sacrifica o servidor público com a redução de salários e com a apresentação de um projeto de gestão da escola pública que se opõe, claramente, a luta que travamos nos últimos quarenta anos em defesa do direito à escola pública, democrática e de qualidade.    

Os servidores do Paraná, incluindo os educadores, têm uma defasagem acumulada nos últimos anos de 17% em seus salários. Se não for feita pelo menos a reposição do índice de inflação do último período, a defasagem salarial continuará se acumulando, atingindo níveis extremamente elevados, como aconteceu na década de noventa, quando professores e demais funcionários públicos tornaram-se profissionais à beira da linha da miséria. Quem viveu a dramaticidade das gestões de FHC e de Jaime Lerner naquela época conhece muito bem essa história. Muitos profissionais, inclusive, abandonaram a educação pública, pedindo exoneração de seus cargos, pois o que ganhavam mal pagava o transporte e a alimentação. Isso não é tudo. Ao mesmo tempo em que nega o direito à reposição das perdas salariais aos servidores, o governo de Ratinho Junior estuda ainda a apresentação de projeto de lei acabando com planos de carreiras dos profissionais da educação, exatamente da mesma forma que tentou fazer Beto Richa no início de 2015, congelando e eliminado promoções, progressões, quinquênios, licenças e projetos de formação.  

Se não bastassem os ataques aos salários e aos planos de carreira, o governo de Ratinho Junior, através do secretário de educação Renato Feder, vem construindo um projeto de educação voltado para os interesses do mercado, disponibilizando a escola pública como nicho de consumo de quinquilharias tecnopedagógicas e organizando um currículo escolar voltado para contingenciamento da juventude e para formação de mão-de-obra barata.

O projeto de educação que vem sendo implantado pelo secretário de Ratinho Junior é assustador.  Também é assustador o silêncio que se faz sobre esse projeto entre as entidades representativas dos profissionais da educação. Apenas as medidas e as propostas apresentadas até agora já seriam mais do que suficientes para que fosse deflagrada greve por tempo indeterminado, tal é o desrespeito ao projeto de educação construído em nosso estado ao longo das últimas décadas.

Renato Feder, milionário empresário do ramo de tecnologias educacionais, demonstra não conhecer absolutamente nada da história de construção da escola pública do Paraná. Da mesma forma, também parece não conhecer nada da escola pública, de teorias pedagógicas e de políticas educacionais. Como empresário, o que Feder sabe é ganhar dinheiro no mercado educacional. E, infelizmente, é por essa perspectiva que olha nosso sistema educacional.

Na perspectiva de Renato Feder, as escolas devem estar a serviço das demandas do mercado, sendo geridas como empresas, com sistemas de controle centralizados, com definição de metas objetivas, reduzindo  os custos e aumentando a produtividade, através da retirada de direitos dos trabalhadores, do aumento da jornada de trabalho e do incentivo à competitividade. Trata-se uma forma de entendimento de escola pública claramente alheio ao projeto de reconstrução democrática iniciado ainda durante os anos oitenta, formalizado na constituição de 1988 e na LDB de 1994, o qual reconhecia o direito ao acesso à educação integral, democrática e de qualidade como direito subjetivo e inalienável de todo brasileiro.

Oras, se Renato Feder não reconhece e não respeita o projeto de construção de escola pública construído pelos paranaenses, o que ele deseja, afinal, ocupando o cargo de secretário de educação de nosso estado? Do salário, obviamente, ele não tem nenhuma necessidade. Teria como objetivo vender mais quinquilharias pedagógicas a nossas escolas? Ou objetiva poder político pessoal, criando um exemplo de “sucesso” de desconstrução da educação pública para depois espalhar pelo Brasil como modelo de salvação para municípios e estados “quebrados”? Precisamos olhar com muito cuidado para os movimentos da gestão de Renato Feder.

Entre as ações e as propostas de Feder apresentadas até este momento,  merecem nossa especial atenção e nosso total repúdio as tutorias, a Prova Paraná, a implantação de sistema de apostilamento, o novo formato das atividades de formação continuada, o fim das eleições para diretores, as provas para professores PSS, a ausência de concursos e a manutenção da retirada ilegal de horas-atividade, além de outras questões graves como a perseguição aos professores, diretores e funcionários, os quais, sob à acusação do menor deslize, recebem severas punições, chegando inclusive à exoneração.

As tutorias, antes de mais nada, são ocupadas, em vários casos, por pessoas que não aguentavam mais a dureza da sala de aula e foram contempladas com esse cargo por favor político. Precisamos sim questionar a função das pessoas que ocupam esse cargo. Afinal, qual seria mesmo o papel desses tutores? O que eles entendem de educação que as comunidades escolares, diretores, professores, funcionários e pedagogos não entendem? Em que poderiam os tutores ajudar nas escolas? Se a gestão da escola deve ser democrática, porque há necessidade de uma tutoria? Oras, parece claro que se trata de uma estratégia de centralizar a gestão, de controlar as ações escolares, de acabar com a sua autonomia, inviabilizando a construção de projetos político-pedagógicos pelas comunidades escolares de acordo com suas especificidades e necessidades, entregando-as de bandeja à rapinagem dos interesses do mercado educacional e à falta de escrúpulos de grupos políticos empoleirados no poder.  

Ao lado da implantação das tutorias, a secretaria de educação já realizou só nesses seis primeiros meses duas etapas de uma prova de avaliação de desempenho estudantil, chamada Prova Paraná. De forma simplista, o secretário Renato Feder afirma que precisamos saber exatamente o que nossos alunos sabem para poder melhorar os índices de aprendizagem. Essa afirmação ignora totalmente a complexidade do processo de ensinar e aprender em sua singularidade cultural, social e interacional. Apenas quem não conhece o dia-a-dia de uma escola pública pode reduzir o que nela se produz a assimilação de um conjunto de conteúdos e de habilidades a ser testado em uma prova. Qualquer pessoa que tem a mínima noção pedagógica sabe muito bem que as inúmeras dificuldades educativas encontradas no cotidiano escolar passam muito além do que uma provinha como essa pode mensurar. Na verdade, o único objetivo dessa prova e estabelecer “ranquiamento” entre as escolas, definir programa de metas objetivas e punir os educadores que não atingi-las, culpabilizando-os individualmente pelas mazelas escolares e isentando o poder público de responsabilidades.

Junto às tutorias e às provas de desempenho estudantil, Renato Feder propõe a implantação de apostilamento em nossas escolas. Trata-se de mais uma ideia estapafúrdia, já muito criticada e refutada por inúmeras pesquisas e estudos desenvolvidos nos últimos anos. Os objetivos óbvios dessa proposta são favorecer empresas privadas que irão confeccionar e distribuir as tais apostilas e manter um maior controle do que se ensina em nossas escolas. Como educadores, devemos entender que não nos é possível exercer nossa profissão sem a necessária autonomia para construir nossos projetos de ensino, compreender o contexto cultural em que estamos inseridos, reconhecer nossos alunos e definir o que, como e quando ensinar. Apenas nesse processo de interação vivo, em que educandos e educadores se reconhecem e se posicionam como sujeitos históricos, torna-se possível construir educação de qualidade a serviço da emancipação humana. O sistema de apostilamento reduz o professor em sua condição profissional, tornando-o mero repetidor do que os autores das apostilas pensaram e controlador da aprendizagem dos estudantes. Investir em apostilas e em tecnologias pedagógicas, na verdade, é uma forma de reduzir o investimento no desenvolvimento humano, na formação permanente e de qualidade do professor. Na mesma medida em que se investe em apostilas e em outras parafernálias tecnológicas, deixa-se de valorizar o profissional da educação como sujeito do processo de ensino e aprendizagem, o que serve apenas para quem pensa a escola pública a partir da racionalidade empresarial ou como linha de montagem fabril.

Tutorias, Prova Paraná e apostilamento ainda não é tudo. Especula-se que Renato Feder pretende acabar com o processo de eleição para diretores, organizando concursos para ocupação desse cargo. É impressionante como, depois de tantos anos de luta pela democratização da escola pública, um forasteiro milionário, se considerando um iluminado, propõe como inovadora uma ideia antiquada como essa. Quem fará esses concursos? A partir de quais referências teóricas em torno do que seja uma escola pública serão organizadas as provas? Quais serão as incumbências desses diretores? Atender o governo de plantão, o mercado ou a comunidade escolar? Por que um diretor aprovado nesse concurso seria melhor do que um diretor eleito pela comunidade? Renato Feder acha mesmo que as comunidades escolares não têm clareza política para participar de uma simples escolha de diretores? Essa é mais uma forma de tutelar aqueles que o secretário de educação julga infantis? A nossa luta é pela gestão democrática, pelo direito da escola desenvolver com autonomia seus projetos pedagógicos, de acordo com as necessidades apontadas pela própria comunidade escolar. Sem entender a escola como um espaço de exercício de partição democrática, comprometemos, claramente, o projeto de construção de uma sociedade democrática. Essa ideia do secretário de educação apenas reforça o ranço autoritário do coronelismo, do servilismo, da hierarquização, da subordinação e da infantilização. É isso que deseja o secretário? Ou será que não sabe exatamente o que está fazendo?

As provas para professores PSS é outra grande armadilha apresentada pelo secretário de educação. A seleção através de provas certamente irá prejudicar muitos professores. Gente que trabalha como PSS há mais de quinze anos agora correrá o risco de perder o emprego. Mesmo trabalhando em péssimas condições, tendo que correr em quatro cinco escolas diferentes, sabemos que muitos desses profissionais são arrimo de família, investiram boa parte da vida em suas formações e dependem exclusivamente do miserável salário que lhes é pago... Feder ameaça piorar o que já é muito ruim! Isso seria apenas crueldade? Por que não fazer concursos de verdade? Por que não oferecer planos de carreira e estabilidade a esses professores, melhorando suas condições de trabalho e consequentemente os resultados de ensino e aprendizagem? É fácil entender a razão dessa famigerada prova. Renato Feder acredita que os baixos resultados da educação são culpa individual dos professores, que, a seus olhos, não têm formação adequada e nem vontade de trabalhar. Em sua perspectiva tacanha de empresário, Feder acha que instaurando mecanismos de competitividade, de seleção e de exclusão, poderão melhorar os índices de aproveitamento dos estudantes nas provas de avaliação de desempenho. Feder pensa como aquele escravocrata que acreditava no chicote como forma de tornar o negro mais produtivo a seus interesses. Outro aspecto importante a se considerar sobre essas provas para PSS é a intensão de controlar os saberes dos professores de acordo com o modelo apostilado a ser implantado pela Secretaria de Educação.

Atente-se, ainda, ao fim dos projetos de formação continuada. Desde o início do governo de Beto Richa em 2011, nunca mais tivemos uma única atividade de formação continuada decente em nosso estado. Ratinho Junior, confesso cão fiel de Beto Richa, inegavelmente dá continuidade a essa prática devastadora. Agora, infelizmente, de forma piorada. O secretário de educação vem oferecendo formação a pequenos grupos isolados, com temas específicos e reduzidos, inviabilizando debates mais amplos na categoria, evitando conflitos e ampliando os mecanismos de controle.

Estes e outros pontos da gestão de Renato Feder devem ser analisados à luz do modelo de escola que a sociedade paranaense construiu nas últimas décadas, uma escola pública, gratuita, democrática e de qualidade. Não podemos baixar a guarda. Durante esta greve, a exigência da demissão do secretário Renato Feder deve ser uma das pautas prioritárias. Há muita gente qualificada em nosso estado, gente que poderia ocupar o cargo de secretário da educação sabendo o que está fazendo. Trazer um empresário forasteiro que nega a nossa história é um desrespeito a tudo o que construímos nas últimas décadas. Precisamos, ainda, exigir a realização de concursos públicos, o respeito aos planos de carreira, a autonomia de gestão para escolas, o retorno das horas-atividades dos professores, o fim das perseguições, a volta do PDE e das formações em serviço de qualidade.

Essa greve não pode se ater apenas à exigência da reposição salarial, ela precisa, também, exigir a retomada de políticas educacionais a serviço da garantia do direito à educação humana e integral de qualidade. Ela precisa exigir respeito aos profissionais de educação.

Acleilton Ganzert, Bernardo Kestring e Sebastião Donizete Santarosa

Professores da Escola Pública do Estado do Paraná

Integrantes do Grupo Sindical APP-Independente


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