Nesta
semana, a partir do dia 25 de junho, os professores e funcionários de escolas
do estado do Paraná iniciarão greve por tempo indeterminado. Certamente não
faltam motivos para essa tomada de decisão radical. Na verdade, esta greve
deveria estar sendo deflagrada por todos os educadores do país, em todos os
níveis de ensino, tanto das redes públicas como das privadas.
Basta
observar as promessas, as propostas, as medidas provisórias, os decretos e as
reformas em curso, para entendermos que o projeto de sociedade capitaneado pelo
mercado de capitais através da triste figura de Jair Messias Bolsonaro ataca
violentamente os direitos da classe trabalhadora, incluindo entre eles o
direito à educação e ao acesso a esferas de produção cultural enquanto práticas
de desenvolvimento humano.
A
redução absurda de recursos da educação, o fim da Lei do Piso Nacional do
Magistério, a perseguição ideológica e a criminalização de professores são,
inquestionavelmente, ataques tão graves à construção de uma sociedade democrática
quanto são à reforma da previdência, a desregulamentação das leis trabalhistas
e o abandono das políticas de proteção ambiental.
Não
é possível se dizer educador responsável e comprometido com a vida de nossas
crianças e de nossa juventude, sem se posicionar com firmeza frente ao avanço
do barbarismo que se apresenta em nosso país. Vivemos um daqueles momentos
históricos em que a indignação precisa, urgentemente, se tornar ação. Não nos é
mais possível manter o silêncio. A greve, sem dúvidas, torna-se o único
instrumento adequado para dizermos um não coletivo, para reafirmarmos nossas
posições em defesa de um estado democrático de direito, de uma sociedade livre
e de práticas de educação emancipadoras.
Alinhado
à perversidade do projeto de governo de Bolsonaro, o governo do Paraná também
sacrifica o servidor público com a redução de salários e com a apresentação de
um projeto de gestão da escola pública que se opõe, claramente, a luta que
travamos nos últimos quarenta anos em defesa do direito à escola pública,
democrática e de qualidade.
Os
servidores do Paraná, incluindo os educadores, têm uma defasagem acumulada nos
últimos anos de 17% em seus salários. Se não for feita pelo menos a reposição
do índice de inflação do último período, a defasagem salarial continuará se
acumulando, atingindo níveis extremamente elevados, como aconteceu na década de
noventa, quando professores e demais funcionários públicos tornaram-se
profissionais à beira da linha da miséria. Quem viveu a dramaticidade das
gestões de FHC e de Jaime Lerner naquela época conhece muito bem essa história.
Muitos profissionais, inclusive, abandonaram a educação pública, pedindo
exoneração de seus cargos, pois o que ganhavam mal pagava o transporte e a
alimentação. Isso não é tudo. Ao mesmo tempo em que nega o direito à reposição
das perdas salariais aos servidores, o governo de Ratinho Junior estuda ainda a
apresentação de projeto de lei acabando com planos de carreiras dos
profissionais da educação, exatamente da mesma forma que tentou fazer Beto
Richa no início de 2015, congelando e eliminado promoções, progressões,
quinquênios, licenças e projetos de formação.
Se
não bastassem os ataques aos salários e aos planos de carreira, o governo de
Ratinho Junior, através do secretário de educação Renato Feder, vem construindo
um projeto de educação voltado para os interesses do mercado, disponibilizando
a escola pública como nicho de consumo de quinquilharias tecnopedagógicas e
organizando um currículo escolar voltado para contingenciamento da juventude e
para formação de mão-de-obra barata.
O
projeto de educação que vem sendo implantado pelo secretário de Ratinho Junior
é assustador. Também é assustador o silêncio que se faz sobre esse
projeto entre as entidades representativas dos profissionais da educação.
Apenas as medidas e as propostas apresentadas até agora já seriam mais do que
suficientes para que fosse deflagrada greve por tempo indeterminado, tal é o
desrespeito ao projeto de educação construído em nosso estado ao longo das
últimas décadas.
Renato
Feder, milionário empresário do ramo de tecnologias educacionais, demonstra não
conhecer absolutamente nada da história de construção da escola pública do
Paraná. Da mesma forma, também parece não conhecer nada da escola pública, de
teorias pedagógicas e de políticas educacionais. Como empresário, o que Feder
sabe é ganhar dinheiro no mercado educacional. E, infelizmente, é por essa
perspectiva que olha nosso sistema educacional.
Na
perspectiva de Renato Feder, as escolas devem estar a serviço das demandas do
mercado, sendo geridas como empresas, com sistemas de controle centralizados,
com definição de metas objetivas, reduzindo os custos e aumentando a
produtividade, através da retirada de direitos dos trabalhadores, do aumento da
jornada de trabalho e do incentivo à competitividade. Trata-se uma forma de
entendimento de escola pública claramente alheio ao projeto de reconstrução
democrática iniciado ainda durante os anos oitenta, formalizado na constituição
de 1988 e na LDB de 1994, o qual reconhecia o direito ao acesso à educação
integral, democrática e de qualidade como direito subjetivo e inalienável de
todo brasileiro.
Oras,
se Renato Feder não reconhece e não respeita o projeto de construção de escola
pública construído pelos paranaenses, o que ele deseja, afinal, ocupando o
cargo de secretário de educação de nosso estado? Do salário, obviamente, ele
não tem nenhuma necessidade. Teria como objetivo vender mais quinquilharias
pedagógicas a nossas escolas? Ou objetiva poder político pessoal, criando um
exemplo de “sucesso” de desconstrução da educação pública para depois espalhar
pelo Brasil como modelo de salvação para municípios e estados “quebrados”?
Precisamos olhar com muito cuidado para os movimentos da gestão de Renato
Feder.
Entre
as ações e as propostas de Feder apresentadas até este momento, merecem
nossa especial atenção e nosso total repúdio as tutorias, a Prova Paraná, a
implantação de sistema de apostilamento, o novo formato das atividades de
formação continuada, o fim das eleições para diretores, as provas para
professores PSS, a ausência de concursos e a manutenção da retirada ilegal de horas-atividade, além de outras questões graves
como a perseguição aos professores, diretores e funcionários, os quais, sob à
acusação do menor deslize, recebem severas punições, chegando inclusive à
exoneração.
As
tutorias, antes de
mais nada, são ocupadas, em vários casos, por pessoas que não aguentavam mais a
dureza da sala de aula e foram contempladas com esse cargo por favor político.
Precisamos sim questionar a função das pessoas que ocupam esse cargo. Afinal,
qual seria mesmo o papel desses tutores? O que eles entendem de educação que as
comunidades escolares, diretores, professores, funcionários e pedagogos não
entendem? Em que poderiam os tutores ajudar nas escolas? Se a gestão da escola
deve ser democrática, porque há necessidade de uma tutoria? Oras, parece claro
que se trata de uma estratégia de centralizar a gestão, de controlar as ações
escolares, de acabar com a sua autonomia, inviabilizando a construção de
projetos político-pedagógicos pelas comunidades escolares de acordo com suas
especificidades e necessidades, entregando-as de bandeja à rapinagem dos
interesses do mercado educacional e à falta de escrúpulos de grupos políticos empoleirados
no poder.
Ao
lado da implantação das tutorias, a secretaria de educação já realizou só
nesses seis primeiros meses duas etapas de uma prova de avaliação de desempenho
estudantil, chamada Prova Paraná. De forma simplista, o secretário
Renato Feder afirma que precisamos saber exatamente o que nossos alunos sabem
para poder melhorar os índices de aprendizagem. Essa afirmação ignora
totalmente a complexidade do processo de ensinar e aprender em sua
singularidade cultural, social e interacional. Apenas quem não conhece o
dia-a-dia de uma escola pública pode reduzir o que nela se produz a assimilação
de um conjunto de conteúdos e de habilidades a ser testado em uma prova.
Qualquer pessoa que tem a mínima noção pedagógica sabe muito bem que as inúmeras
dificuldades educativas encontradas no cotidiano escolar passam muito além do
que uma provinha como essa pode mensurar. Na verdade, o único objetivo dessa
prova e estabelecer “ranquiamento” entre as escolas, definir programa de metas
objetivas e punir os educadores que não atingi-las, culpabilizando-os
individualmente pelas mazelas escolares e isentando o poder público de
responsabilidades.
Junto
às tutorias e às provas de desempenho estudantil, Renato Feder propõe a
implantação de apostilamento em nossas escolas. Trata-se de mais uma ideia
estapafúrdia, já muito criticada e refutada por inúmeras pesquisas e estudos
desenvolvidos nos últimos anos. Os objetivos óbvios dessa proposta são
favorecer empresas privadas que irão confeccionar e distribuir as tais
apostilas e manter um maior controle do que se ensina em nossas escolas. Como
educadores, devemos entender que não nos é possível exercer nossa profissão sem
a necessária autonomia para construir nossos projetos de ensino, compreender o
contexto cultural em que estamos inseridos, reconhecer nossos alunos e definir
o que, como e quando ensinar. Apenas nesse processo de interação vivo, em que
educandos e educadores se reconhecem e se posicionam como sujeitos históricos,
torna-se possível construir educação de qualidade a serviço da emancipação
humana. O sistema de apostilamento reduz o professor em sua condição
profissional, tornando-o mero repetidor do que os autores das apostilas
pensaram e controlador da aprendizagem dos estudantes. Investir em apostilas e
em tecnologias pedagógicas, na verdade, é uma forma de reduzir o investimento
no desenvolvimento humano, na formação permanente e de qualidade do professor.
Na mesma medida em que se investe em apostilas e em outras parafernálias
tecnológicas, deixa-se de valorizar o profissional da educação como sujeito do
processo de ensino e aprendizagem, o que serve apenas para quem pensa a escola
pública a partir da racionalidade empresarial ou como linha de montagem fabril.
Tutorias,
Prova Paraná e apostilamento ainda não é tudo. Especula-se que Renato Feder
pretende acabar com o processo de eleição para diretores, organizando concursos
para ocupação desse cargo. É impressionante como, depois de tantos anos de luta
pela democratização da escola pública, um forasteiro milionário, se
considerando um iluminado, propõe como inovadora uma ideia antiquada como essa.
Quem fará esses concursos? A partir de quais referências teóricas em torno do
que seja uma escola pública serão organizadas as provas? Quais serão as incumbências
desses diretores? Atender o governo de plantão, o mercado ou a comunidade
escolar? Por que um diretor aprovado nesse concurso seria melhor do que um
diretor eleito pela comunidade? Renato Feder acha mesmo que as comunidades
escolares não têm clareza política para participar de uma simples escolha de
diretores? Essa é mais uma forma de tutelar aqueles que o secretário de
educação julga infantis? A nossa luta é pela gestão democrática, pelo direito
da escola desenvolver com autonomia seus projetos pedagógicos, de acordo com as
necessidades apontadas pela própria comunidade escolar. Sem entender a escola
como um espaço de exercício de partição democrática, comprometemos, claramente,
o projeto de construção de uma sociedade democrática. Essa ideia do secretário
de educação apenas reforça o ranço autoritário do coronelismo, do servilismo,
da hierarquização, da subordinação e da infantilização. É isso que deseja o
secretário? Ou será que não sabe exatamente o que está fazendo?
As
provas para professores PSS é outra grande armadilha apresentada pelo
secretário de educação. A seleção através de provas certamente irá prejudicar
muitos professores. Gente que trabalha como PSS há mais de quinze anos agora
correrá o risco de perder o emprego. Mesmo trabalhando em péssimas condições,
tendo que correr em quatro cinco escolas diferentes, sabemos que muitos desses
profissionais são arrimo de família, investiram boa parte da vida em suas
formações e dependem exclusivamente do miserável salário que lhes é pago...
Feder ameaça piorar o que já é muito ruim! Isso seria apenas crueldade? Por que
não fazer concursos de verdade? Por que não oferecer planos de carreira e
estabilidade a esses professores, melhorando suas condições de trabalho e
consequentemente os resultados de ensino e aprendizagem? É fácil entender a
razão dessa famigerada prova. Renato Feder acredita que os baixos resultados da
educação são culpa individual dos professores, que, a seus olhos, não têm
formação adequada e nem vontade de trabalhar. Em sua perspectiva tacanha de
empresário, Feder acha que instaurando mecanismos de competitividade, de
seleção e de exclusão, poderão melhorar os índices de aproveitamento dos
estudantes nas provas de avaliação de desempenho. Feder pensa como aquele
escravocrata que acreditava no chicote como forma de tornar o negro mais
produtivo a seus interesses. Outro aspecto importante a se considerar sobre
essas provas para PSS é a intensão de controlar os saberes dos professores de
acordo com o modelo apostilado a ser implantado pela Secretaria de Educação.
Atente-se,
ainda, ao fim dos projetos de formação continuada. Desde o início do governo de
Beto Richa em 2011, nunca mais tivemos uma única atividade de formação
continuada decente em nosso estado. Ratinho Junior, confesso cão fiel de Beto
Richa, inegavelmente dá continuidade a essa prática devastadora. Agora,
infelizmente, de forma piorada. O secretário de educação vem oferecendo
formação a pequenos grupos isolados, com temas específicos e reduzidos,
inviabilizando debates mais amplos na categoria, evitando conflitos e ampliando
os mecanismos de controle.
Estes
e outros pontos da gestão de Renato Feder devem ser analisados à luz do modelo
de escola que a sociedade paranaense construiu nas últimas décadas, uma escola
pública, gratuita, democrática e de qualidade. Não podemos baixar a guarda.
Durante esta greve, a exigência da demissão do secretário Renato Feder deve ser
uma das pautas prioritárias. Há muita gente qualificada em nosso estado, gente
que poderia ocupar o cargo de secretário da educação sabendo o que está
fazendo. Trazer um empresário forasteiro que nega a nossa história é um
desrespeito a tudo o que construímos nas últimas décadas. Precisamos, ainda,
exigir a realização de concursos públicos, o respeito aos planos de carreira, a
autonomia de gestão para escolas, o retorno das horas-atividades dos
professores, o fim das perseguições, a volta do PDE e das formações em serviço
de qualidade.
Essa
greve não pode se ater apenas à exigência da reposição salarial, ela precisa,
também, exigir a retomada de políticas educacionais a serviço da garantia do
direito à educação humana e integral de qualidade. Ela precisa exigir respeito
aos profissionais de educação.
Acleilton
Ganzert, Bernardo Kestring e Sebastião Donizete Santarosa
Professores
da Escola Pública do Estado do Paraná
Integrantes
do Grupo Sindical APP-Independente